Na semana que passou, os olhos do mundo voltaram-se uma vez mais para o estado judeu. Uma operação do exército israelense levou à morte 9 ativistas da chamada 'flotilha da paz', que tinha por objetivo romper o bloqueio econômico imposto à faixa de Gaza. O que houve, com exatidão, ainda não se sabe. Tudo leva a crer que a reação intempestiva dos soldados se deu por legítima defesa ante o ataque de alguns 'ativistas', ligados a entidades terroristas, que os receberam com paus, estilingues e instrumentos de corte. Por outro lado, há versões que mencionam a chegada do comando israelense por helicóptero de madrugada, armados até os dentes e atirando para matar (fosse esse o objetivo e o saldo de 9 mortos seria uma vergonha para a competente máquina de guerra israelense). Desde então a guerra vem sendo travada no campo midiático, nas versões apresentadas por cada lado em defesa de seus direitos. Esse é o jogo que comove a comunidade internacional e condena as ações israelenses visto que, em última instância, é a população civil de Gaza que sai prejudicada com o bloqueio. Deixando-se de lado por hora o processo histórico, apenas um fato se apresenta como verdadeiro: a legitimidade que qualquer país do mundo tem em garantir sua segurança ao obrigar que cargas sejam inspecionadas antes de entrar em seu território, sobretudo se serão encaminhadas à região controlada pelo Hamas, grupo fundamentalista/ terrorista que tem por objetivo a aniquilação do Estado de Israel. É imperativo que haja controle para restringir a entrada de material bélico e a flotilha da paz não escapa a esta condição.
Vozes se levantam, a favor e contra. Vídeos e mensagens pululam na internet, a favor e contra. A comunidade judaica se posiciona, exibindo vídeos da abordagem e mensagens de enfermeiras que atenderam ao chamado quando convocadas ao porto de Ashdod, para onde foi desviada a flotilha. O antisemitismo cresce, surgem comentários bestiais nos mais diversos sites, basta acessar a Folha On Line ou a UOL para verificar do que são capazes os ignorantes. A repercussão é enorme e a pergunta que sobrevem é: quem está com a razão?
Os judeus dirão que a terra prometida por Deus e por eles habitada durante milênios lhes pertence. 1 x 0. Os palestinos haverão de alegar que de lá foram expulsos depois da guerra de independência, em 1948, e que nada fazem além de querer retornar a seus lares (e que se não vai por bem, vai por mal). 1 x 1. Então de quem é a culpa?
O grande vilão (agora sim) é o processo histórico. É ele quem estimula a ação opressiva do homem através dos séculos, seja ele judeu, muçulmano, inglês ou argentino. Quando se trata de supremacia e conquista não existe cor, credo ou raça que sobrepuje o caráter humano.
Vejamos: nos primórdios, como narra o antigo testamento, Abraão deixou sua cidade natal, Ur, na Caldéia, a mando de Deus. Seguiu em direção a Canaã (hoje território israelense) para dar início a história do povo judeu e sua ligação com 'Eretz Israel', ou a Terra de Israel. A história segue com os outros patriarcas (Issac e Jacó), com os reis (Saul, Davi e Salomão) e com a divisão do país nos reinos de Israel e Judá, invadido em cerca de 600 a.c. por Nabucodonosor e os exércitos babilônicos. O templo é destruído e dá-se início a chamada primeira diáspora, quando os judeus são obrigados a deixar suas terras para só voltar 70 anos depois, quando os persas derrotam os babilônicos. O templo é reconstruído e a região passa pelo processo de helenização quando Alexandre, o Grande, conquista os persas. Depois cai em mãos romanas, época em que recebe a denominação de Palestina. Na tentativa de expulsar os romanos, por volta do ano 70 d.c., os judeus são novamente dispersos(segunda diáspora) e o templo uma vez mais destruído.
É quando os judeus espalham-se pela Europa, o império romano é dividido e sua porção oriental toma capital em Bizâncio. Enquanto seguem no exílio, o avanço do Islã conquista a região, cruzados e muçulmanos brigam por Jerusalém, os otomanos a dominam por séculos até passar à administração britânica com o fim da primeira guera mundial. Os judeus são perseguidos na Europa e o movimento sionista ganha corpo, primeiro no início do século XX, depois com maior intensidade após a segunda grande guerra. O 'voltar para casa' se intensifica.
Entretanto, desde a saída dos judeus sob domínio romano, no século I, até seu retorno mais contundente, no século XX, populações árabes se instalaram na região (lembrando o crescimento do islã a partir do século VII). Ou seja, quando do retorno à terra prometida, encontraram novos 'proprietários'. A princípio, entre 1910 e 1920, os árabes optaram por vender parte de suas terras para os novos antigos moradores. Mas a partir daí, receosos de que poderiam perder sua identidade e seu país, os conflitos começaram, arrastando-se por quase 3 décadas até que a recém criada ONU propôs, em novembro de 1947, a partilha das terras, criando-se um estado árabe e outro judeu dentro do território e tendo Jerusalém como cidade internacional e administrada pela própria ONU. A agência judaica topou, a liga árabe não. 6 meses depois, a 14 e maio de 1948, com o fim do mandato britânico e a retirada das tropas da região, Israel declarou sua independência.
É nesse momento que o drama palestino se intensifica. Jordania, Egito, Síria, Líbano e Iraque atacam o novo país e são sumariamente derrotados (parte do processo histórico). Tudo que conseguiram foi aumentar o território israelense em mais da metade da área que a ONU havia destinado aos árabes e criar uma massa de refugiados palestinos calculada em 700 mil. Gaza e a Cisjordânia, regiões onde hoje concentra-se o povo palestino, foram incorporados ao território israelense mais tarde, em 1967, após a guerra dos seis dias. O resto da história se desenrola com mais guerras, ataques suicidas, revides, invasões e a série de embates que bem conhecemos.
É neste ponto que entra a crítica ao processo histórico e ao absurdo conceito de apropriação e conquista. Que o digam os nativos americanos, os incas, os tupiniquins, todos alijados de suas terras e riquezas e vivendo sob domínio alheio. Até o final desta semana, os mesmos olhos que hoje desaprovam a ação israelense estarão voltados para a copa do mundo, na África do Sul, país que há pouco tempo caracterizava-se pelo apartheid e a opressão da maioria negra. Ora, isso só ocorreu porque em determinado momento (processo histórico) nações européias resolveram 'explorar' o continente e subjugar suas populações em busca de mais riquezas. Foi assim com a Líbia, Argélia, Marrocos e Congo, entre outros. Os muçulmanos não fixaram suas fileiras na Península Ibérica até serem de lá expulsos na guerra de reconquista? Processo histórico. Não é assim que funciona a lei humana, sancionada sob os auspícios do poder? Processo histórico. Quem haverá de questionar a força em detrimento da razão?
Os judeus tem direito à terra que herdaram de seus antepassados há 4 mil anos. Os palestinos, por sua vez, também. Tiveram a chance histórica de dividi-la, mas não foram capazes de superar o radicialismo a ponto de aceitar um estado judeu. De lá pra cá a situação só tem piorado e Israel parece dar mostras que não tolerará nenhum tipo de afronta a sua política que, diga-se de passagem, passou da antiga divisão ao expansionismo, acentuando o ódio que permeia a região. Nada mais natural, nada mais alinhado com o processo hisórico.
Ao homem será dada a chance de viver em paz quando estiver capacitado a superar diferenças políticas, ideológicas ou religiosas em nome de um bem maior que abrace a espécie como um todo e não apenas determinadas populações. Enquanto isso não ocorrer, seguiremos sujeitos à mesquinhez e insignificância que caracterizam nossas lideranças e nossos atos, repletos de manchas dentro da consolidação do processo histórico.