27 de julho de 2014

O PREÇO DA SOBREVIVÊNCIA

                                       

Reza a lenda que um soldado inglês, nos estertores da primeira guerra mundial, teve sob a mira de seu rifle um soldado alemão ferido quando as tropas germânicas já batiam em retirada do território francês. Movido por compaixão, misericórdia ou algum outro princípio moral, resignou-se a atirar e deixou o soldado viver. O nobre ato traria consequências catastróficas 27 anos depois, quando o mundo contabilizaria mais de 59 milhões de mortos ao final da Segunda Guerra Mundial. O soldado inglês havia poupado a vida de ninguém menos que Adolf Hitler.

É essa indulgência que Israel hoje não se permite ter. Sabe que, se o fizer, o preço a ser pago em um futuro próximo será a vida de seus cidadãos. Por isso não mede esforços para desmantelar a estrutura de túneis construída pelo Hamas com o único objetivo de adentrar seu território e matar, sequestrar, difundir o terror. Israel opta por não ser 'merciful', piedoso, porque sabe que não pode se dar a esse luxo, ainda que isso implique na morte de civis inocentes. Claro, ao abster-se destes valores sabe que a luta vai além do Hamas e amplia a ofensiva sobre estas populações, cujas cenas de morte e destruição tem chocado o mundo e recrudescido o ódio antissemita. Ah, mas o Hamas não os deixa abandonar suas casas, o exército avisa com antecedência os locais dos bombardeios etc etc. O princípio não muda, de uma forma ou de outra não há espaço para a comoção. A máquina de guerra israelense trabalha sob quaisquer circunstâncias para atingir o objetivo maior que é a perspectiva de vida de seus cidadãos e ponto, custe o que custar, no matter what. Não se trata de julgamento, apoio ou condenação. Trata-se de simples constatação. 

Nenhuma guerra é limpa, nenhuma guerra preserva princípios por mais justa que seja. Guerras são travadas por questões territoriais e econômicas, religiosas até. Mas esta, em última instância, é a guerra pela sobrevivência de um Estado democrático às voltas com uma organização terrorista que prega seu aniquilamento. É, portanto, legítima. Não se pode questionar proporcionalidade (cada lado luta com o que tem à disposição, é o passivo histórico carregado através de séculos) ou a falta de disposição ao diálogo - ao menos do lado hebreu, que já atendeu ao pedido de três tréguas recusadas pelo Hamas. E por quê? Porque há um componente ideológico geopolítico que faz da população palestina massa de manobra, por opção própria ou não, aos interesses escusos do Hamas, que somada à política 'no mercy' israelense gera o caos, justamente o que busca a organização terrorista para perpetuar e justificar suas hostilidades. Fosse seu objetivo garantir a segurança do povo palestino e lutar pelos ideais de um estado, teriam sido os primeiros a aceitar uma proposta de diálogo. Qualquer outra via, dado o poderio bélico de Israel, é inviável. E é aí que repousa o grande drama: o interesse do Hamas, acima do bem estar da população palestina, é a destruição de Israel. Por esta razão os recursos que chegam a Gaza, ao invés de se transformarem em medicamentos, transformam-se em foguetes; o cimento, que deveria construir escolas, constrói túneis; e a despeito das dificuldades que o povo enfrenta na região, seus líderes vivem confortável e nababescamente no Qatar. É preciso que se diga: enquanto houver gente disposta a morrer em nome da destruição não haverá esperança, enquanto as vozes da discórdia não forem silenciadas não haverá paz, e isso vale para os dois lados. Se Israel pretende conviver em paz com seus vizinhos palestinos precisa rever alguns princípios, inclusive a política dos assentamentos nos territórios ocupados.

Enquanto isso não ocorre, o confronto é inevitável. E ao contrário do que presumivelmente ocorreu ao final da primeira guerra, Israel não deixará lacunas que possam vir a comprometer seu futuro e de seus cidadãos, mesmo que isso implique em 'danos colaterais'.

Imagine se aquele soldado inglês tivesse pensado o mesmo.

12 de julho de 2014

O BRASIL DAS RUAS VAI A CAMPO

Sinto-me confortável para falar da copa porque, desde o princípio, me mantive refratário à euforia que tomou conta do país. Não torci contra, é preciso frisar, mas tampouco me vi tomado pelo espírito de empolgação que irmanou grande parte da população. Também não voltarei à questão política, aos gastos públicos, nada disso. Vou me ater a aspectos que dizem respeito à organização.

A Alemanha sediou a copa de 2006. Naquela oportunidade, me lembro que a mídia destacava a renovação do time germânico depois de ter perdido a final para o Brasil em 2002. Aquele time, que já contava com Lahm, Schweinsteiger e Mertesacker, chegaria em terceiro lugar. Quatro anos depois, na copa da África do Sul e com o reforço de nomes como Khedira, Ozil, Boateng e Muller, ficaria a um passo da final, sendo eliminada na semi pela Espanha que se sagraria campeã (a Alemanha bateria o Uruguai e ficaria novamente em terceiro). Em 2014, a Alemanha garante vaga na final após retumbante goleada de 7 a 1 sobre o Brasil e enfrenta a Argentina. Ainda que termine como vice campeã, a campanha na copa prova que a evolução não ocorre ao acaso, mas é fruto de planejamento, organização e profissionalismo. Neste aspecto, 7 a 1 ainda é pouco.

Planejamento, organização. Palavras que em terras tupiniquins causam arrepios - não apenas nos campos de futebol - e que caminham na contramão  da essência de um país que vive no improviso, no imediatismo, e que insiste em não se ajustar. A infraestrutura é precária e ultrapassada, os serviços básicos não funcionam, a lei da carteirada impera. Planejar... pra quê? Esse é o modelo do país, transposto ao campo de jogo na medida em que um seleção de nível sofre humilhante derrota. Vamos aos fatos:

- Inciou-se sim uma preparação após a vexatória eliminação na copa da África do Sul na derrota para a Holanda. O trabalho, iniciado por Mano Menezes, contou com  uma boa vitória sobre o time dos Estados Unidos. Mas foi só Ricardo Teixeira cair e Marin assumir que Mano tambem caiu (não estou defendendo o técnico, que ate então não tinha apresentado nenhum resultado tão decepcionante a ponto de ser demitido, mesmo perdendo a final olímpica), em clara demonstração de que o que estava em jogo não era o profissionalismo, mas o apadrinhamento e as relações;

- Veio então o ultrapassado Felipão, um técnico que abandonou um Palmeiras à beira do abismo da segunda divisão e pouco se importou. Não houve reformulação, a base se manteve (apenas acrescentou Fred na frente, que na prática não acrescentou coisa nenhuma) e um esboço tático começou a se desenhar ainda na copa das Confederações, pura ilusão. Não houve evolução;

- O técnico ainda testou Kaká, Ronaldinho e Robinho neste período, mas não levou ninguém que pudesse dar maior maturidade ao grupo ou comandá-lo em campo quando necessário. A liderança ficou à cargo de jovens como Tiago Silva e David Luiz, voluntariosos porém imaturos; são daqueles que acham que cantar o hino a plenos pulmões já implica em vantagem emocional, empunham suas espadas e aos berros cortam o ar enquanto o inimigo vem em silêncio e aplica um golpe mortal;

- O time estava visivelmente mal treinado; jogadores que perderam espaço em seus respectivos times (Luis Gustavo saindo do Bayer e Marcelo reserva no Real Madrid, assim como Paulinho no Totteham e Oscar no Chelsea) e outros que não conseguiam acertar dois passes (Hulk, Daniel Alves) compunham um time desfigurado, sem qualquer padrão. O mais comum era ver os chutões de David Luiz para frente, sem a ligação com o meio de campo;

- A postura do técnico, a medida que o time alemão abria vantagem, compunha a antítese do líder: sem reação, sem atitude, sem presença. Um zero. Não havia ninguém como Didi, que após o gol da Suécia na final em 58 foi buscar a bola no fundo das redes e voltou incentivando os outros jogadores (obrigado pela lembrança, Tobias). O Brasil virou o placar e ganhou por 5 a 2, conquistando seu primeiro título mundial.

A falta de planejamento  foi fatal e o resultado não poderia ter sido diferente, eu já falava isso antes mesmo da copa começar. O Brasil não perdeu apenas para a Alemanha; perdeu para seus próprios erros de execução que, quando não precedidos por um plano de trabalho, podem dar em qualquer coisa, sobretudo em desgostos não previstos. A economia brasileira, a segurança pública e o atendimento médico que o digam...