A copa do mundo se foi, e com ela o sentimento que boa parte da população costuma chamar de felicidade. O êxtase que toma conta nos dias de jogos, a pátria de chuteiras e a tal irmanação que levianamente coloca estratos tão distintos da população em pé de igualdade (e que já foi tema neste blog) já fazem parte do passado, ciclicamente presente a cada 4 anos. 'Panis et circencis', diriam os romanos. Por mais paradoxal que possa soar, 2014 nunca esteve tão perto: a chama da redenção se acende, a oportunidade de dar a volta por cima reluz em slogans de apoio e a perspectiva de conquista, o tão almejado hexa, encoraja o sonho dourado das novas gerações. Bebemos na fonte do prazer, como se não houvesse mais nada a fazer.
Há, pelo contrário, muito a ser feito. Muito! E não diz respeito à construção de estádios de futebol, de infraestrutura aeroportuária ou da rede hoteleira das grandes capitais. Diz respeito à inclusão social, à redução dos abismos colossais que se interpõe entre as camadas populacionais, à infraestrutura básica que permita que as chuvas, por exemplo, matem menos e causem menos estragos. Diz respeito a empossar pessoas capacitadas e dotadas de ética em cargos públicos - temos eleições pela frente -, a tratar a natureza e o próximo com o devido respeito, a criar condições para que os serviços públicos como saúde, transporte, segurança e moradia funcionem. Diz respeito a tirar gente das ruas, a trazer crianças para escola, a reduzir a mortalidade infantil. A fazer bom uso do dinheiro gasto em impostos, a reduzir o montante que se paga com a esfera pública (um senador brasileiro custa cerca de 4 vezes mais do que um senador francês), a fazer valer nosso direito como cidadão. Diz respeito a dar condições mínimas para que todos possam, de fato e direito, serem chamados de cidadãos.
O Brasil deve, de uma vez por todas, parar de achar que seus problemas se resolvem em um campo de futebol e que a conquista de um campeonato lavará a honra nacional. Piada! O país precisa arregaçar as mangas e trabalhar, contando com pessoas capacitadas à frente da administração pública para dar o tom, não ufanistas de plantão que fazem uso da ingenuidade do povo ou sanguessugas que brigam, politicamente falando, pela realização do jogo de abertura nesse ou naquele estado/ estádio. Piada! Diante das agruras que tomam conta desse país isso é mesmo uma grande piada e de mau gosto.
Assim como a própria natureza humana, que elegeu como fonte de prazer uma modalidade em que a felicidade depende, em última instância, da tristeza de outros...
Foto: Folha de São Paulo