Reza o conceito democrático que metade mais um dos votos válidos de uma eleição, habitualmente conhecido como maioria simples, confere ao candidato escolhido a condição de vencedor. Mais do que consensual, o método é matemático e vale como regra, já que não há outra forma de estabelecer um referencial quando se trata de alçar um cidadão comum a um cargo público, principalmente quando se trata da presidência da República. Dilma Rouseff venceu sim, mas não com esmagadora maioria dos votos, o que limita a questão do consenso. Em uma eleição marcada por difamações, cinismo e troca de farpas, a história registra mais uma vez a derrota do candidato Serra, desta feita para aquela que será a primeira presidente mulher deste país.
Os números comprovam a divisão do eleitor brasileiro, não apenas no que diz respeito a escolha do candidato, mas no aspecto sócio-econômico: Serra teve maioria no Sul e em São Paulo, principal colégio eleitoral do país; Dilma venceu com ampla vantagem em todo o Norte/ Nordeste e em Minas, outro colégio de expressão. Não é preciso ser nenhuma assumidade para saber que a vitória de Dilma (uma completa desconhecida do público leigo antes de assumir o ministério de minas e energia e depois a chefia da casa civil) decorre da gestão Lula, que em seus 8 anos de governo equilibrou a distribuição de renda e melhorou as condições de vida das populações menos favorecidas. Nesse ponto, é inquestionável a atuação do mandatário da república.
O que aconteceu depois é uma outra história. Lula confundiu a figura de presidente com suas ambições pessoais e, mal assessorado, caiu na besteira de apoiar governos totalitários como o Irã, a Venezuela ou Cuba e deu adeus às suas ambições internacionais. Deu apoio à sarney na crise do congresso, aceitou o apoio de collor, teceu críticas à situações que não lhe diziam respeito como um cidadão comum, não como um estadista (não esqueci do mensalão, mas não vou mencioná-lo porque não se trata de um invento do PT, embora tenha ganho dimensões extraordinárias sob sua gestão). Mesmo a escolha de Dilma, antes de ser um consenso do partido que o elegeu, é outra decisão pessoal. Com tantas "estrelas" a brilhar em seu partido, como bem lembrou Ferreira Gullar na Folha deste domingo, a escolha de Dilma deve-se, possivelmente, ao desejo do presidente em se reeleger na disputa de 2014. Tudo dependerá de como Dilma conduzirá a questão até lá.
Dilma não representa, portanto, nenhum modelo de administração diferenciado que tenha gerado resultados expressivos ou ideias inovadoras. A "mãe do PAC" (Putz, Arranquei a Cortina!), pelo contrário, conta (ou contou) com gente em sua equipe incapaz de não confundir o público com o privado e é tão articulada no uso da língua portuguesa quanto um aluno de segundo grau. É, na prática, fruto do Lulismo, que conta com crédito suficiente junto à população para eleger um presidente, ainda que sua trajetória política não conte com nada de extraordinário. Eu, particularmente, não tenho nenhum apreço por figuras que se julgam superiores e que passam, em última instância, ares de prepotência e arrogância quando se dirigem a jornalistas ou ao público comum. Sei também que isso pouco importa. O que devemos cobrar são resultados, que passam pela continuidade da evolução econômica deste país e pelo saneamento do congresso, antro de bandidos e corruptos.
A votação expressiva de Lula, há oito anos, refletiu o desejo de mudança do povo. Dilma, hoje, significa sua continuidade. Eu e mais 190 milhões de brasileiros lhe desejamos sorte, Dilma.