26 de março de 2010

Give me ou, simplificando, Daime

A reação foi de descrédito. 'Acho que não rolou', pensei, desiludido ao retomar meu lugar no cerimonial depois de verter a primeira dose da viscosa e amarga bebida. Talvez tenha sido melhor assim, enfrentar os meus e tantos outros fantasmas em um estado alterado de consciência pode não ter sido a melhor opção para o sábado à noite. Curiosidade e um 'q' de irresponsabilidade, procuro ser assertivo e... Não deu tempo pra mais nada! Minha mente mergulhou em um oceano de imagens e sons, ainda tentei me concentrar nos cânticos e nas pessoas a minha volta, mas nada disso foi possível. A viagem do Daime começava.






Foi assim que caracterizei meu primeiro (de uma série de dois) contato com o Daime, em novembro de 2003. Uma experiência catártica que fez, da viagem interior, a ponte para um universo mágico e instigante como se eu tivesse pousado em 'Avatar' antes do tempo. Uma porta desconhecida se abriu e eu, inquieto, quis olhar o que havia ali dentro, alçado à condição de explorador pelo uso ritualístico da Ayahuasca. Na prática, tomei coragem e criei meu próprio ritual, extrapolando os tradicionais 10% de capacidade do intelecto que, segundo dizem, costumamos utilizar. Lá fui eu e meus 17,28% rasgando as cortinas da realidade...







Expansão, poderia eu dizer, invadindo reinos que não me pertenciam. Nossa Senhora e seu manto celeste em pouso na lua, as portas de um corredor infinito que se abriam ininterruptamente (tipo Agente 86) em alusão à própria experiência, o símbolo do mensageiro no duto de ar de uma nave espacial. A chave para meus mistérios interiores! Do lado de fora, escancarando a realidade, me lembro de ter visto a água da torneira escorrendo para cima, assim como as rosas do jardim em chamas...






O processo de expansão de consciência, principalmente se estimulado por catalisadores dessa natureza, rompe com todos os dogmas tradicionais e abre as portas de um mundo novo e colorido que, dependendo da abordagem, pode se transformar em um enorme pesadelo. Pode ter acontecido com o jovem Cadu, assassino de Glauco, e levanta a questão de até onde é possível ir com a ingestão de alucinógenos, ainda que sob os auspícios de um ritual religioso. Querendo ou não o Daime conta com o princípio ativo DMT, susbtância psicodélica que afeta o sistema nervoso central e cria alucinações. O que vi, na prática, não foi diferente disso.




A revista Veja foi a primeira a jogar lenha na fogueira: publicou artigo em que especialistas afirmam que a ingestão do Daime por parte de portadores de doenças psíquicas e esquizofrenias só potencializa o quadro clínico. Os daimistas levantaram suas vozes em uníssono para criticar o artigo evidenciando, inclusive, o uso do Daime para fins terapêuticos ou no tratamento de drogados. De uma forma ou de outra, o que se vê é a descontextualização do uso do chá, originalmente atribuído aos incas e posteriormente transferido aos índios do alto Amazonas até chegar às mãos do mestre Irineu, responsável por disseminá-lo em território nacional no início do século XX. Logo, a chamada 'doutrina da floresta', que combina elementos cristãos, espíritas e da própria natureza, ganhou ares urbanos e milhares de novos adeptos.




A questão, portanto, não se resume a factibilidade do uso ou a união de pessoas embuídas (ou não) do espírito religioso para comungar do símbolo e alçar vôos ousados (posso usufruir dos efeitos do Daime, por exemplo, para alcançar a excelência espiritual - ou posso fazê-lo porque sou um maluco beleza e quero mais é curtir a vida e experiências alucinantes como esta que ela me proporciona). Diz respeito a saber por onde caminhar, sem deslizes que podem terminar em tragédia. Não digo que este tenha sido o caso do Glauco - um cara que, diga-se de passagem, colocou-se a serviço do Daime para iluminar o caminho de outros, assim como o Daime já havia feito com o seu - mas é essencial que barreiras sejam criadas a fim de evitar que pessoas despreparadas surtemr. É como um aviso para grávidas ou portadores de problemas cardíacos em fila de montanha russa.
Como experiência e, sobretudo, transcendência, valido a jornada. Minhas definições de limite, universo e vida ganharam contornos nunca antes imaginados.



Crédito da foto: Jeen the flyingrat



24 comentários:

  1. OI ANDRÉ...QUE VIAJEM DEVE SER ...(tenho muita curiosidade , mas...)
    SINCERAMENTE NÃO SEI SE O DIME É POTENCIALIZADOR DE ALGUM MAL! NUNCA TOMEI , MAS SINCERAMENTE CREIO QUE TUDO O QUE ALGUÉM FAZ E PÕE A CULPA NA DROGA OU NA SITUAÇÃO FINANCEIRA OU AINDA NO "DAIME" JÁ ESTAVA DENTRO DE SI PARA FAZER E A PESSOA PRECISA SÓ DE UM SINAL PARA QUE ELA SE PERMITA A REALIZAR!
    É TÃO COMPLEXO ESSE TEMA ... QUE ENQUANTO ESTOU ESCREVENDO ESTOU PENSANDO EM MUITAS OUTRAS COISAS, COMO SE FOSSE UM KALEIDOCÓPIO PSICODÉLICO DE PROBABILIDADES!(risos)
    SEMPRE DIGO ... EU NÃO PRECISO TOMAR NADA PRÁ VIAJAR NO SUPERCONSCIENTE , JÁ NASCI VIAJANDO, VIAJANTE..(risos)- encontro fácil com meu superconsciente - então tomar qualquer coisa assim seria OVERDOSE ...(risos)
    Não acredito que o Daime tenha levado este menino a cometer este crime... acho que foi outra coisa que a gente nunca vai ficar sabendo!
    kisses, e ótimo "findi" aí prá ti
    Sil

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  2. Potencializa, Sil, entendo que quando há tendencias a probabilidade é maior. E assim, todo cuidado é pouco. Bjs e bonfim pra ti tbem!

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  3. Legal o seu compartilhar de um assunto intrigante e atual. Sua experiência ajuda a entender um pouco mais desta viagem, que ao meu ver, não vale a pena. Na verdade, não acredito em rituais religiosos que partem para elementos que extrapolam a essência da fé. Admiro sua coragem para esta, que foi, uma via de fato.Abs!

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  4. Mermão André,saudade danada de tu,mas muitas cousas aconteceram,em pouco tempo,estou a casa arrumando assim como coisas minhas afinal ,um mes parei,então:
    Post esse teu,intenso foi,caríssimo meu,uma porrada,saber o que rola no daime,só mingau aquele tomando,tres vezes tomei,em templos e épocas diferentes,inenarrável,os visuais distúrbios e a energia,ou a antienergia em acção sobre voce,de avassaladora maneira,conheci dois políticos no Rio de Janeiro,(não é piada),uma jovem de 26 anos,vereadora de ponta,transparente ,que a primeira vez que tomei ,foi na catedral do daime,,no Pará,ela lá estava,e nunca mais ao Rio voltou!O outro,um deputado estadual,entrou em surto e nunca mais voltou,assisto como fraterno,quatro casais,um deles de \São Paulo,que toda a gravidez da esposa,o casal passou tomando daime,embora de nível superior ,doutorADO,PERECEBE-SE DECLÍNEO de lucidez deles.Quanto a predisposição de surtar,todo portador de sofrimento mental,se abala,pois potencializa sim,não só através do daime,mas de todas as drogas,a cocaína especialmente.Bela cronica,atual e por execelencia,sabes do que falas sim!

    me aguarde te abraço!

    teu amigo andré,o ricardo!

    bração

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  5. Concordo com voce, my friend Harold. No princípio entendi que se tratava de usar a religião como desculpa para acessar a bebida, como se pano de fundo fosse. Mas minha posição passa por respeitar os princípios de cada um, dentro da fé que professam. Aquele abraço!

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  6. Calmones, que bons ventos o trazem!Saudades de ti tbem, fico a imaginar tuas experiencias transcedentais em companhia de Peri, eterno viajante. Em essência, a questão é de limites, seja lá em que campo for. Te abraço e viva a magia da vida!

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  7. Bom domingo!

    Um amigo querido andou conhecendo o Daime faz uns 3 meses, quando me contou a experiência me assustei um pouco e duvidei.
    Então parti pra pesquisa, fiquei mais tranquila ao ver que não era considerada uma droga, mas ainda assim, talvez por não conhecer , tenho o pé atrás...
    O caso é que acho mesmo que é algo delicado que deveria mesmo ser usado por quem a ele conseguisse dar o realo sentido.
    Acho mesmo que é uma questão de limites...

    PS:Invadi né? rsrsrs

    Milhões de beijos

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  8. André, gostei da sua viagem e de seu resultado. Tenho um pouco de receio desse tipo de droga vinculada a crenças e releligiões. Não sei, tenho esse medo. Mas vejo que vc tem a força suficiente pra discernir esses baratos e aproveitar suas jornadas. Garnde beijo

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  9. Oi André,

    Acabei de ler os seus parabéns atrasados (como você disse) pelo niver de meu blog. Obrigada, fiquei feliz, mesmo assim, por ter participado.

    Quanto ao Daime, penso ser perigoso tomar aquele chá, exceto se as pessoas possuíssem atestados psiquiátricos e psicológicos que as liberassem a fazer parte dessa seita. Mas como isso não tem lógica, então, não compartilho desse ritual. Nem por isso, desrespeito aqueles que são felizes por meio dela.

    Beijos,

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  10. André, amado!
    Bacana ter dividido conosco sua experiência e assim, com propriedade. Infelizmente só posso falar de amigos (mentes soberbas de tão maravilhosas) que "perdi" para o DAIME...Longe de mim, qualquer tipo de julgamento, mas como diz a música: cada um no seu quadrado! Eu fico aqui, no meu quadrado bem pequenino, interligada 24hs, embevecida, drogada messssmo, com o PAI.
    Beijuuss n.c. e bom restim de dumingu.

    www.toforatodentro.blogspot.com

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  11. Hi Andrew! Gostei de seu relato e também gostaria de ter vivido esta experiência, já que os fiéis do Daime se entitulam e identificam com os "povos da floresta", rsrsrs
    Mas depois da trágica morte do cartunista, passei a ler mais a respeito e descartei completamente. Acho que você bem colocou, adorei o relato e só me fez sentir mais esta convicção. Mas não quero dizer nunca, pois é uma palavra muito radical, credo! Prefiro dizer que por hora estou bem como estou, rsrsrs
    Grande abraço e obrigada por compartilhar conosco esta fantástica viagem!
    Pri

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  12. Rapaz estou arrepiado! Que bela crônica, escrita com simplicidade e sabedoria. Um relato de uma experiência que gostaria de realizar mas não sei se meu coração chegaria até o final desta estonteante viagem. Parabéns grande Andre por nos doares esses conhecimentos. O título é criatividade pura. Gostei. Um grande abraço do Leonam. Mudando de assunto indago ao especialista: quando eu faço um comentário sobre o comentário recebido em meu blog, este comentário que faço é visualisado por quem comentou primeiro? Por favor tire-me esta dúvida.

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  13. Fique a vontade, Juliana, o espaço é seu. seja sempre bem vinda, obrigado pelo comentário!

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  14. É, Wal, as vezes dá a impressão que tudo não passa de cortina de fumaça apenas pra ter, de perto, a sensação do uso. Mas, como digo,cada um e suas partuclaridades... Bjo!

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  15. Bem vinda, Ana Lucia! Se o seu comentário servisse de base para discutir as desavenças da humanidade, certamente teríamos soluções mais simples e eficazes: não serve pra mim, mas quem o quiser fazer que o faça. A liberdade do outro começa onde a sua termina... Bjo!

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  16. Hello, Rê, na verdade agora é bom começo de semana mesmo, ontem nem abri nada. Há uma relação direta entra mentes brilhantes e 'perda' para o Daime: quanto maior a capacidade humana, maior a tendência em partir para experimentos que amplifiquem sua dimensão. E se o cara não segura, dá nisso. Melhor mesmo é conviver com nossas crenças e aceitar nossos próprios passos. Bjo!

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  17. Querida Pri!Suas conexões com a floresta, por exemplo, me parecem ir muito além do que qualquer crença, o que reforça o conceito de que a ligação com estes elementos se faz por outras pontes da alma e não necessariamente através de um estimulante. Bjos!

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  18. Olá, Leonam, obrigado pelas palavras. O coração aguenta sim, questões de fé é que se inserem com maior ênfase e aí entra um pouco a convicção de cada um. Confesso que tive a iniciativa pela curiosidade e por saber que poderia expandir a mente, mesmo já tendo feito isso de outras formas. Como experiencia valeu e ponto, não vejo como uma pratica que pode ser aplicada regularmente.

    Quanto a sua dúvida, o seu comentário aparece como qualquer outro comentário e a pessoa que comentou poderá visualizá-lo sim, basta entrar novamente na página. Um abraço e boa semana!

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  19. Oi, chegando de uma viagem, não pelo Dime, mas pela blogosfera...rs
    Abrindo um novo blog e agora aqui, conhecendo o seu.

    Por alguns motivos bem pessoais li com a maior atenção seu texto; aliás, li duas vezes a narração que vc faz quanto as sensações e consequências dessa experiência; se é que se possa chamar assim.
    Acho que qualquer coisa é válida e só podemos na verdade, conceituar se vivemos, ainda que indiretamente.

    Foi muito bom ter lido seu post. Mesmo.
    Apenas acho que nada pode ser o TUDO. Parece-me que o TUDO mora em mim, em nós....rs

    Errei?
    beijo pra vc

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  20. Ola, Cris e obrigado pela visita, seja sempre bem vinda.Nada é tudo, parte do todo mora em voce, assim como outras partes em outros seres. Juntos somos o todo, o tudo, a lei que governa o universo. Bjo pra voce!

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  21. Oi amigo,

    olha que ja vi ouvi muitas coisas em cultos religiosos, o que vale mesmo é a experiência, estamos em busca disso, de nós, do sagrado, daquilo que não podemos entender, e o Daime so virou notícia pela morte do Glauco, se fosse outro desconhecido teria virado? não sei, a gente consomem muito Pasquim ainda nesse pais de noticías mastigadas, exemplo disso o exaustivo caso Isabela.
    Se fossemos falar de crimes religiosos, de disturbios psicologicos teriamos muito e muito que escrever sobre várias religiões.
    E todas as experiência de fé são muito pessoais.
    Um dia talvez a gente possa ver o mundo de uma forma mais limpa, enquanto o vermos pela tela da TV com certeza o veremos distorcido da realidade.
    Esse seu post lembrou tantas historias que conheço, melhor parar por aqui

    Um beijo pra vc e boa páscoa.

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  22. Ótimo ponto, Cris! O caso Isabella ilustra, com toda 'naturalidade' que cabe á mídia, o ávido desejo daqueles que estão do outro lado da TV pelo circo, assim como ocorreu com o Glauco. Quando a existência acontece de fora para dentro e não ao contrário, nos deparamos com essas distorções, tão comuns à sociedade modernoa. Um beijo e ótima páscoa!

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  23. Quando conhecemos determinados pontos ,fica mais fácil de falar o que antes não tinhamos como entrar.
    É preciso as diversas experiencias ,para avaliarmos o que outros falam sem tese conhecida.
    Sempre fui muito a fundo em questoes de toda a ordem e quis primeiro conhecer para depois opinar.
    Acho bastante interessante sua experiencia ,embora ainda não tenha tido ,mas quem sabe....
    Abraços fraternos

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  24. Ola, JR, obrigado por sua visita e seja sempre bem vinda. quanto a experiencia, cabe a cada um determinar o momento certo de partir em busca de outras visoes, desde que ache necessario. Bjs!

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