14 de junho de 2014

VTNC: é preciso contextualizar

São Paulo e Bahia se enfrentaram no Morumbi em uma tarde de agosto de 2000. Foi a estreia da Julia, minha filha mais nova, em estádios, à época com 3 anos. 14 anos se passaram e me lembro daquele dia porque, ao devolvê-la à casa da mãe e questionada sobre o que mais havia gostado naquele dia, deixou de lado a vibração do gol tricolor (a partida acabaria 1 a 1) ou a alegria dos sorvetes para categoricamente afirmar: a hora que a gente levantava e gritava 'Ei, Bahia, VTNC!'.


Foi cômico, obviamente. Me lembro do olhar de reprovação da mãe - para mim, não para ela - ao que respondi que estávamos em um estádio de futebol e a prática lá cabia - faz parte da tradição - e que fora dali o comportamento deveria ser outro, como nunca deixou de ser. E isso me leva a duas constatações:

1. Um estádio de futebol abriga as iniquidades do povo, sua postura em sentir-se acima da lei, moral e bons costumes. São como os espectadores dos antigos embates de gladiadores no Coliseu, que serviam-se dos banhos de sangue como instrumento de diversão e outorgavam-se o poder de decidir sobre a vida e a morte dos combatentes que sucumbiam. Não é assim que funciona? Mal o juiz entra em campo e a sua mãe é ovacionada; o time adversário entra sob sonora vaia; e quando começa a fazer cera, cometer faltas em demasia, segurar o jogo, escuta o coro que a Julia tanto gostou: "Ei, timeco, VTNC!". Não é nada pessoal, é parte de um ritual que habita os estádios e embriaga as massas do esporte há décadas, mesmo que essas massas sejam consideradas por alguns míopes a 'elite branca paulista' em jogo de copa do mundo. Fora dali, isso deixa de existir.

2. Se não fosse assim, é bem possível que minha filha saísse mandando todo mundo tomar por aí em qualquer situação que não lhe fosse conveniente, o que na prática não ocorre. Imagine o constrangimento que seria testemunhar situações dessa natureza, assim como quando presenciamos situações de xingamento no trânsito ou no caso do cara da fila do supermercado que cansou de esperar (de fato, outro dia um senhor reclamou da espera na fila para pagar porque a moça do caixa era uma "monga". Gerou um mal estar geral, a menina do caixa foi às lágrimas e o senhor mostrou-se visivelmente arrependido, mas o estrago já estava feito). Ou seja, apropriar-se do VTNC, remetê-lo ao caráter individual e vomitá-lo em uma situação cotidiana é constrangedor e, de fato, exibe a falta de respeito de quem o usa.

Isso me leva a crer que ninguém, em sã consciência, apontaria o dedo na cara da presidanta e diria 'Ei, Dilma, VTNC!". Nem eu. O que ocorreu foi reflexo de uma prática comum em estádios, como manda o figurino, e foi direcionada à mandatária da nação por sua incompetência em fazer com que o país saia do buraco em que se meteu. Dilma estava no lugar errado na hora errada (como presidanta não poderia deixar de estar ali) e por conta de sua incompetência foi alvo dos xingamentos. Se o time adversário não deixa o seu jogar e é xingado, o que dizer de alguém que emperra o seu crescimento e te obriga a gastar cada vez mais no supermercado para comprar as mesmas coisas?

Assim, contextualizado dentro das tradições do futebol, onde o que vai para o estádio deve por lá ficar, digo que se estivesse lá eu teria gritado em alto e bom som: "EI, DILMA, VTNC!"