22 de novembro de 2009

No país do pau brasil


A ambição da coroa portuguesa em estabelecer rotas de comércio com o Oriente e garantir o suprimento de especiarias à corte acabou por trazer, por simples obra do acaso, Cabral e sua desajeitada frota a terras tupiniquins. A saga dos aventureiros lusos todos conhecemos, exaltada em tonalidades heróicas nos livros de história ou nas imagens fantasiosas que se solidificaram em nosso subconsciente - quem é que não fica com aquele quadro da primeira missa rezada no Brasil na cabeça? Até índio devoto de Santo Antonio tinha!

A prática exploratória, traço característico da política colonialista, logo deu as caras em terras Brazilis com a extração do pau brasil e quase levou a espécie à extinção (ainda hoje o pb encontra-se na lista de espécies ameaçadas do Ibama. Interessante notar que não apenas a madeira em si era objeto de cobiça, mas a resina obtida no processo de extração caia com perfeição à indústria têxtil da época no tingimento de tecidos). E acho que foi a partir daí que se iniciou o jogo de interesses espúrios que se perpetua até os dias de hoje.
O pau brasil e a população indígena nativa, envolvida por 'livre e espontânea vontade' no processo extrativo (provavelmente em troca de que um super hiper mega ultra desejo de ser catequisada fosse atendido), foram substituídos pelo sistema monetário moderno e por nós, seres 'evoluídos e questionadores'. Piada. Na verdade, somos os mesmos otários que, se na época do descobrimento se satisfaziam com espelhos e miçangas, hoje conformam-se com a atuação vampiresca de uma minoria (tão nobre e altruísta quanto nossos antepassados navegadores) que não se cansa de inventar artifícios para fazer valer seus supostos privilégios. Pode o povo morrer de fome, mas foda-se, há outras prioridades para o dinheiro público. Ou não é para isso que serve a verba indenizatória?
A famigerada 'verba indenizatória' foi criada pelo então presidente da câmara Aécio Neves (quando se trata de poder, meus amigos, não tem PT, PC, PN, PJ ou PZ, à noite todos os gatos são pardos) em 2001,em um ato pernicioso que aumentou indiretamente o salário de deputados e senadores através de, digamos, uma forcinha extra que nem dava muito na cara. Bastava aos nobres deputados e senadores apresentar notas fiscais de suas despesas extras e tava tudo resolvido (só em 2004, quase R$ 1,5 milhão foi gasto em combustíveis e as notas dos 'supostos de gasolina' mantidas em sigilo). Não daria na cara, protestariam os mais cautos, se os filhos da puta que habitam essa vergonha que é o congresso não utilizassem a verba em suas próprias empresas (foi assim que começou a saga do Edmar safado Pereira, dono do castelo em Minas Gerais, usando a verba para pagar funcionários de sua própria empresa de segurança que nunca viram a cor do dinheiro. E o que aconteceu a esse nobre deputado? Nada, tá lá, rindo da nossa cara) ou pior, em empresas que nem existem, como noticiou a Folha esta semana (há que se louvar, e muito, o trabalho do jornalista Fernando Rodrigues). Ou seja, nego inventa uma despesa de uma empresa fantasma, que simplesmente NÃO EXISTE, e enfia a grana no bolso. E os indíos aqui, o que fazem? Observam a passagem dos navios portugueses carregados com o seu precioso pau brasil. E se bobear sorriem, embasbacados com os espelhinhos que ainda ostentam nas mãos. Não dá mais pra engolir.
Celso Pitta, um dos maiores ladrões de dinheiro público que esse país já teve, morreu outro dia (como disse meu pai, tamanha ironia: Pitta, o ex-prefeito negro, morreu no dia da consciência negra, o que obriga Maluf a morrer em um 1 de abril e Lula e em 1 de maio), e quisera eu que a prática exploratória, iniciada há mais de 500 anos, tivesse morrido com ele. O ex da Nicéia foi-se no ostracismo porque, depois de levantadas e comprovadas todas as denúncias contra sua pessoa, tentou, em vão e por duas vezes, se candidatar a deputado. Se fudeu, votação pífia. Quebrou a cara, foi preso de pijamas na operação Satiagraha e pagou com a própria vida. Ao menos serviu de exemplo.
Façamos pois do voto nossa arma, conscientizemos os da nossa tribo que ainda olham deslumbrados para os espelhos em suas mãos e quebremos, de uma vez por todas, o encanto, nem que seja necessário partí-los ao meio (os espelhos, lógico) e correr o risco de 7 anos de azar. Até porque, do jeito que está, corremos outro risco, o de seguir 7, 14, 21 e tantos outros anos olhandos as naus portuguesas se perderem felizes no horizonte...













11 de novembro de 2009

Intolerância

A humanidade dá mostras que soube aproveitar, através dos séculos, o precioso tempo que a providência divina reservou-lhe neste planeta. De lúgubres cavernas, migramos para moradias estruturadas com conforto e higiene; fazemos em minutos viagens que nossos antepassados, no lombo de mulas, levavam semanas; e se a batalha de Maratona entre gregos e persas fosse hoje, Fidípedes, o famoso guerreiro que percorreu os 42km que separavam o campo de batalha da cidade de Atenas, teria enviado uma mensagem no twitter dizendo: "Alegrai-vos, atenienses, nós vencemos!" - e isso apenas para constar, já que os gregos teriam acompanhado o embate em um telão instalado no Partenon sob o patrocínio de alguma marca de cerveja, cigarro ou do Mac Donald´s ('Um big macrópolis com fritas e diet coke sem gelo, please')

Certas práticas, como podemos constatar, mudaram. Outras não. Da mesma forma que fomos capazes de voar, fazendo jus ao sonho de Ícaro, também fomos capazes de manter os mais absurdos preconceitos, enraizados nas "profundas" concepções que nós, humanos, criamos para nossa própria diferenciação. Se a cor da pele, naturalmente, fala por si mesma, fomos além e instituímos as práticas religiosas, as preferências sexuais, tendências políticas, futebolísticas, nacionalistas e tantas outras que, sob a ótica humana (em sua grande maioria), são unilaterais. Não ser capaz de aceitar a opinião alheia ou seus valores é como dizer que aquele que não é por mim contra mim está.

Vivi a experiência esta semana, quando um pai deixou de ir ao casamento do próprio filho, um menino de ouro, porque a noiva não compartilhava da mesma concepção religiosa. Já passei por diversas rupturas na minha vida entre casamentos, separações e nascimento de filhos, abrindo e encerrando ciclos que formataram minha história em cada um destes registros, e me lembro como foi importante compartilhar, com amigos e família, o momento de casar e assumir uma nova vida. Não há - ou pelo menos não deveria haver - motivação religiosa ou de qualquer outra natureza capaz de se interpor entre laços de sangue. E é aí que me questiono até que ponto chega a insensatez humana para justificar suas convicções e abrir mão de significativos pressupostos, jogando pela janela 30 anos de convivência. Não há feridas que o tempo não cure, diz o ditado. Mas as cicatrizes são para sempre.

É preciso dar ao homem mais sustentação, não apenas para que fixe suas bases, mas para que inclua valores, princípios e ideais diferentes dos seus. Quando a semente da intolerância e da discórdia for finalmente superada, aí sim talvez tenhamos condições de construir uma sociedade mais correta, que respeite escolhas e individualidades. E enquanto isso não acontece, continuaremos criando nossos próprios abismos.

Crédito da foto: Phinaphantasy

1 de novembro de 2009

Heróis Anônimos: Ricardo Calmon



“A natureza sempre profundo me tocou, a ela a vida devo, com a água contato, em fechadas matas entrar até hoje, cachoeiras, rios, igarapés, lagos, praias, tudo da natureza seduzia e consolava, sempre refúgio meu foi, da solidão,do medo de porrada levar,do desamor,da tristeza,da depressão infantil aterradora por sofrer sem saber o que foi que fiz,sentimentos que sempre inundaram minha alma,pois parte fazem do meu corpo,de ser meu,da alma minha viva”. (R.C.)

Ricardo André Calmon nasceu em Manaus, na madrugada de 12 de novembro de 1946. Sua trajetória ao longo destes quase 63 anos é marcada por lições de amor, coragem e apego à vida, com passagens que vão do lirismo à tragédia. É por isso que tenho a honra de incluí-lo entre os heróis anônimos que fazem parte deste projeto.

Filho de mãe paulista, de Guaratinguetá, e pai capixaba (médico que a residência deslocou para Manaus a fim de atuar como cirurgião chefe e obstetra da Beneficência Portuguesa), Ricardo teve a infância traumática caracterizada por problemas físicos e a rejeição de seus pais. De pés curvos e fechados, que lhe permitia apoiar apenas o calcanhar e a ponta dos dedos no chão, tinha enorme dificuldade em caminhar, além de uma curvatura na coluna que o obrigava a usar colete de pano e espartilhos (não é preciso dizer que por conta disso era alvo de chacota e até de agressões por parte de seus colegas de escola). À época, diversos especialistas recomendaram intervenção cirúrgica para corrigir o problema, mas seu pai pareceu não se importar (até hoje, Ricardo calça 35/36). Ao contrário, o obrigava a ir a pé para a escola no período da manhã, enquanto seus irmãos estudavam à tarde e iam de carro com ele. Ricardo chegou a fraturar os calcanhares por 11 vezes.

Desde pequeno, hiperativo e elétrico, costumava cantarolar ao longo do dia, irritando pai e mãe que proibiam o uso de vitrola ou rádio em casa. Essa veia criativa e a inquietação natural fizeram com que sua mãe colocasse gotas de vinho do Porto na mamadeira para que fosse possível fazê-lo dormir, o que acabou por criar vínculo com as medicações, sem as quais Ricardo não conseguia dormir até por volta dos 40 anos. Quando comparecia às missas da capela hospitalar, sempre que o padre passava com o incensário, era comum sentir-se tonto, ficar roxo e desmaiar. Sua mãe, aos berros, o chamava de filho do demônio com o capeta e era comum apanhar em casa depois dessas situações, causando cicatrizes não apenas físicas, mas principalmente emocionais.

Foi ainda menino que Ricardo criou seu amigo imaginário, o indiozinho Peri, habitante da mata que passou a ser seu companheiro de aventura pelos rios e igarapés, além de tornar-se seu protetor e confidente (me lembra muito Calvin e seu amigo tigre, Haroldo). Foi a ele a quem Ricardo recorreu quando, triste por deixar sua terra natal e suas histórias, soube que a família se mudaria para o Rio de Janeiro, o pai eleito deputado federal.

Uma vez mais, Ricardo foi hostilizado pelos colegas de escola: seringueiro, bicho do mato amazônico e tantas outras provocações que invarialvelmente acabavam em briga. Seu mau desempenho em matemática fez com que fosse reprovado por 5 vezes na primeira série, o que lhe custou novamente surras e até colherada de pau na cabeça (!). veio então sua tentativa de suicídio: a mãe (hoje com 85 anos e com quem ele não fala há 22) achou por bem contar à namorada, por quem Ricardo havia se apaixonado, que ela estava se relacionando com um maluco. Ricardo desceu à praia, acendeu uma vela na areia e, ao voltar, a família reunida em torno da TV, fechou-se na cozinha para cortar os pulsos, ligar o gás do fogão e enfiar a cabeça no forno. Salvo, permaneceu em como durante 3 dias, sendo depois internado em uma clínica psiquiátrica para tratamento a base de eletrochoques. Ficou seis meses sem pronunciar uma única palavra.

Recuperado, teve seu primeiro emprego como contínuo na Cia. Estanífera do Brasil, servindo cafezinho. E daí em diante desenvolveu carreira na área de comunicações, passando por TVs e agências de publicidade, produzindo diversos programas (incluindo o primeiro programa sobre automobilismo para a TV brasileira, o 'Grand Prix') e tornando-se mestre em TV educativa (na Alemanha), além de professor de planejamento de propaganda e marketing na UFF fluminense. Na prática, superou toda e qualquer expectativa de quem via nele um ser desqualificado e sem qualquer pespectiva.

Ricardo costuma dizer que deu a volta por cima depois dos 50 anos. “Foi quando a vida descobri e soube que Quasímodo não era!”, diz ele. Casou-se com a professora Regina Victória, com quem teve os filhos Ana Paula, Mariana e Wilson. Hoje é avô da linda Luana e blogueiro de mão cheia, expondo suas ideais através do 'Viver é pura magia' , onde exalta a importância de valorizar os aspectos do bem e da vida, irmanando seus amigos e leitores na busca de um mundo melhor sem as fronteiras de raça, credo, países e continentes com as quais estamos acostumados. Foi por estas andanças pelo mundo virtual que o conheci, adorei sua forma de se expressar e principalmente o conteúdo que ele é capaz de gerar. Ricardo é um exemplo de superação e vitória, de quem já teve a vida presa por um fio e que por isso mesmo batalha em favor dela. Sua luta foi, é e sempre será para que o bem prevaleça.
Vida longa ao Ricardo e seu Viver é pura magia!