18 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2: O INIMIGO AGORA É OUTRO

Pode até ser, mas a tensão e a realidade nua e crua das armadilhas do poder, criadas no piloto, mantém-se intactas. Um show que não pretendo estragar, caso você ainda não tenha assistido. Quero apenas tecer alguns comentários sobre a importância que esta sequência traz ao abordar o assunto da bandidagem não mais de cima para baixo, quando se trata de acuar bandido em favela, mas de baixo para cima, quando a banda pobre que habita a esfera pública deste país (99,9%) é colocada à prova.

O crime está associado ao Brasil  como a cerveja à Alemanha, a vodca à Rússia ou o whisky à Escócia. Faz parte e ponto, é raiz. Para classificá-lo, façamos uma simples analogia, comparando o nível sócio econômico da população a um tanque de gasolina: quanto mais vazio, mais próximo da miséria; quando mais cheio, mais próximo da elite que trafega na área pública. No frigir dos ovos, é tudo bandido.

Se o ponteiro de gasolina aponta para baixo, na reserva,  lidamos com a população de baixa renda que exerce a prática do crime como caminho mais fácil para mudar de vida, ainda que isso possa custar a expropriação alheia ou a sentença de morte. Quem é que se importa? O nível de consciência de quem pratica o crime tende a zero, o sujeito não tá nem aí com sua vítima, quer mais é se dar bem. O que vale é a lei da selva, sair da base da pirâmide para atingir algo que satisfaça seus desejos materiais.

O ponteiro da gasolina sobe um pouco, passa para o meio tanque. Lá encontramos falsificadores, fraudadores, policiais que aceitam suborno e toda sorte de indivíduo que, indo mais além, consegue traçar um plano para apropriar-se de algo que não lhe pertence. Já não é o ladrão pé de chinelo; o cara trafica, vende gasolina adulterada, altera data de validade do produto que está em seu estoque antes que vença, contrabandeia e por aí vai. A ação policial contra esses caras não é tão ostensiva como quando o tanque está vazio, até porque o trabalho desses caras é mais na maciota, na moita, sem alarde. Não matam ninguém e não recebem 200 anos de pena; pelo contrário, na maioria das vezes saem impunes, já que esta impera em escala ligeiramente maior e a corja se sente confortável seguindo na prática. O Estado não tem agentes suficientes para coibir sua ação, assim que entra ano, sai ano e nada muda.

Ah, e então... O tanque cheio. Vale lembrar que a prática de crimes ocorre em qualquer estágio, ¾ de tanque para mais ou para menos. A diferença é que quanto mais cheio o tanque, maior é a impunidade ou a capacidade que o estado tem em identificar e prender estes bandidos. E quando o tanque está cheio... ah, os malditos sanguessugas corruptos do sistema público. Fazem valer suas leis e pairam acima delas. Fosse o congresso uma casa séria e Sarney já teria sido barrado há muito tempo. Mas como tornou-se um aliado da base do governo (leia-se 'O presidente Lula precisa de um inseto como esse pra sobreviver e chega a ponto de dizer que não se deve dispensar a Sarney o tratamento de um cidadão comum'), nada acontece. Renan Calheiros, que já pediu afastamento do cargo de presidente do congresso por corrupção passiva (descobriu-se que uma empreiteira pagava as contas de sua amante ou algo que o valha), foi novamente eleito e, pasmem, quer ser presidente novamente. Isso jamais aconteceria em uma país sério, onde leis são feitas para quem não tem o tanque cheio (quando chega a vez deles, livram-se com facilidade). Claro, a lei do corporativismo: se um nobre deputado ou ilustre senador condena um colega de classe, certamente receberá o troco. Celso Daniel que o diga.


O que Tropa 2 procura mostrar é que cedo ou tarde a mão da justiça também haverá de alcançá-los (engraçado como o público aplaude após as sessões. Achei que tivesse sido só na minha, mas ouvi no rádio que isso tem acontecido em diversas). Trata-se expor as entranhas do poder público e o sistema que se perpetua em troca de votos, estabelecendo uma relação altamente promíscua e que beneficia, cada vez mais, aqueles que estão na ponta. O que diferencia o criminoso comum de um servidor público é que o primeiro, de tanque vazio, tem que sujar as mãos para obter seus ganhos. Já o do tanque cheio não, usa as benesses do sistema para enriquecer ilicitamente. Quem está "mais errado"? Não há "mais certo" ou "mais errado", há bandidos e ponto. O criminoso comum pode apodrecer 20 anos na cadeia e o caso ainda será lembrado. O do tanque cheio? Bem, esse o tempo se encarrega de esquecer tão rapidamente que parece que nem ocorreu. Calheiros que o diga.

Quando tivermos 200, 300, 500 capitães Nascimento com culhões para peitar essa corja, aí sim poderemos pensar em mudar as regras do jogo. Aqui tem um!

16 de outubro de 2010

Ou o Brasil acaba com a saúva ou...

Santana do Mundaú é um município alagoano a pouco menos de 100km de Macéio. Tem altitude de 221m, área urbana de 223km2 e população de 12.000 habitantes. Entre eles, uma saúva de peso: José Eloi da Silva.


O supra citado, prefeito da cidade, foi afastado por determinação da Justiça do Estado pelo tão comum delito de desvio de recursos públicos. O safado simplesmente guardou para si todos os donativos enviados para as vítimas das enchentes que assolou a região em junho passado e que deixou um sem número de desabrigados. Como se não bastasse, promotores do Ministério Público constataram que mais da metade das residências teoricamente afetadas pelas enchentes e dadas como destruídas, continuam intactas. A indenização, entretanto, foi parar na mão do prefeito e seus asseclas (9 funcionários foram afastados, incluindo os responsáveis pelas “pastas” das finanças, educação e assistência social, que beleza!). Entre fraudes e desvios, há indícios de um prejuízo da ordem de meio milhão ao erário público.

Ainda acho que essas bestas deviam ser queimadas em praça pública ou, pelo menos, terem suas mãos decepadas na mesma condição. Com todo o respeito, fodam-se os direitos humanos. Um cara que tem a capacidade de desviar recursos destinados à caridade e que suprirá, ainda que por tempo determinado, a necessidade da população desabrigada pela chuva, não merece viver. Ou se merece, que seja sem as mãos, assim aprende a não enfiá-las onde não é preciso (garanto que prefeito, secretário, deputado ou quem quer que seja pensará duas vezes antes de meter o nariz onde não é chamado). Está mais do que provado que a impunidade neste país é o maior estímulo para que figuras de baixa estatura como esta, nos confins do mundo, se achem acima da lei para roubar o que não lhes pertence. Pior: não estamos falando do desvio de recursos para uma obra super faturada ou algo que o valha. Estamos falando da assistência a desabrigados.

O Brasil carrega esta condição em cada estágio de sua história sem parecer se preocupar com o fato. A começar pelas capitanias hereditárias e as sesmarias, há 5 séculos, que de início já demonstravam  o corporativismo português fincando pé em terras tupiniquins. De lá para cá, a história só faz mudar os personagens: criam-se leis e colocam-se figuras públicas acima delas. Não há melhor exemplo em tempos recentes do que a figura empobrecida de José Sarney, que manchou a linhagem presidencial ao deixar seu nome registrado na história (aliás 1 - como tantos outros, e aliás 2 - simplesmente herdou essa condição ante a morte de Tancredo Neves. O destino lhe sorriu com um lugar ao sol, e ele rapidamente tratou de arrumar lugar per tutta la famiglia – coisa de mafioso mesmo). Roseana Sarney, a jóia do agreste, teve misteriosos R$ 1,3 milhão encontrados em seu escritório durante sua campanha em 2002; Fernando, filho do bigode, foi/é (nunca se sabe o que vai acontecer) investigado por tráfico de influência, formação de quadrilha, falsificação de documentos e crime contra o sistema financeiro nacional (operação boi barrica). Tem nora empregada não sei onde, a Fundação Sarney já embolsou mais de R$ 1 milhão em doações da Petrobrás (alguém precisa avisar esse presidente pinguço que ainda tem gente passando fome neste país) e o velho coronel nem sabia, segundo suas próprias palavras, que recebia verba de moradia, mesmo tendo domicílio próprio em Brasília. Se o congresso é a casa da democracia, o reflexo dos desejos e anseios do povo, como é possível ser presidido (combina com presídio, José) por um desqualificado do ponto de vista ético e moral?

Perto da famiglia Sarney, o prefeito de Mundaú é dinheiro de pinga. É um otário que se serve da desgraça alheia para abrigar os seus, ainda que seja na longínqua cidade da qual é prefeito. Mas é justamente do micro para o macro que devemos partir, varrendo da história esse tipo de gente para que o país, a médio prazo, possa fazer valer suas leis com respeito e dignidade, alçando ao poder público personagens que tenham condição de fazer algo em benefício da população e não o contrário. Quando não houver mais guarida para esse crimes, quando todos estiverem sujeitos às mesmas leis, então teremos dado um passo adiante. É preciso um basta geral e algumas mãos servindo de exemplo. Não há, nesta balburdia que foi criada, a menor condição de se estabelecer equilíbrio sem uma medida radical, manando os Zé Manés das Santanas de Mundaú da vida para o lugar que merecem.

"Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil", diz o macunaíma sem caráter de Mario de Andrade. E que não haja exceções.

Crédito da foto: Dimas Filho