13 de janeiro de 2015

PORQUE NÃO SOU CHARLIE

O título em si não vai na contramão da comoção e da indignação que toma conta do mundo neste momento, em particular do povo francês, muito menos sublima a atitude covarde e irracional de dois fanáticos que entendem que a sede por vingança se encerra com a morte dos detratores do profeta. Sou a favor da liberdade de expressão, da arte em manifestar o poder crítico ou criativo, mas para mim ela termina no momento em que invade o sensível território em que se confunde com ofensa.

Vejamos: quando se cogitou a abertura da estação Higienópolis do metrô e a resistência da população local em aceitá-la, o humorista Danilo Gentilli foi um dos que saiu com a pérola de que os judeus moradores da região eram contra a ideia porque a última vez que andaram de trem tinham ido para Auschwitz. Não é preciso ser muito inteligente para constatar que a infeliz piada remete a um passado não tão distante que ainda mexe não só com aqueles que foram testemunhas de enormes atrocidades - e que parte hoje vive em  Higienópolis - como das gerações que cresceram ouvindo seus relatos, e que naturalmente repudiaram a piada de mau gosto. Claro que ninguém pensou em matá-lo (se bem que alguns até devem ter tido a ideia) - não deve haver piada ou charge que justifique semelhante ato. Mas a indignação é evidente quando uma brincadeira como essa incorpora valores sagrados para um indivíduo ou grupo de indivíduos, é nesses termos que passamos a desrespeitar o próximo porque, na falta de sensibilidade, não damos importância às suas crenças ou valores. E aí se instala a discórdia.

Cristo morreu na cruz. Se eu resolvo fazer uma desenhinho com ele lá, pregado, um monte de mulatas em volta sambando, peladas etc etc seguramente estarei ofendendo a fé de milhões de pessoas em todo o planeta, simplesmente porque tive uma ideia criativa e engraçadinha. É preciso ponderar até que ponto sua própria consciência lida com este tipo de informação e não há melhor saída do que entender o que pregam as correntes espirituais do oriente: coloque-se na posição do outro. Só assim você consegue captar a essência da sua mensagem e fazer valer a sua liberdade de expressão sem ofender ninguém (em tempo: trata-se da minha visão em particular. Se voltarmos no tempo - os mais velhos haverão de se lembrar - uns 40 anos, existia no Brasil a revista satírica 'MAD' da qual eu era fã incondicional e comprava toda semana. Deixei de sê-lo no dia em que a revista publicou, na última capa, um foto de Hitler com o título 'Por que não perdoá-lo?'. Choveram cartas (sim, escrevíamos cartas para as redações) criticando a montagem, assim como chegaram outras em menor número achando genial. Questão de interpretação.

Se você não pode satisfazer a gregos e troianos, ao menos satisfaça sua própria consciência.

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