7 de maio de 2009

Armadilhas do poder

Outorgar poder a quem não se encontra apto a com ele lidar (quase a totalidade das pessoas que o detém) sempre gera desequilíbrios. Venho há anos postulando que o poder é corruptor por natureza, e nem me refiro aqui à má versação do dinheiro público ou aos conchavos que cansamos de ver nos meios políticos. O poder é corruptor na medida em que afasta quem o controla da finalidade para o qual foi criado, subvertendo a ordem de valores. Dois exemplos rápidos para dar a visão exata do que quero expor, os dois ocorridos ontem: um policial militar dirigindo a viatura e falando ao celular, uma ambulância estacionada em fila dupla a pouquíssimos metros de distância de uma vaga com 3km de extensão (o exagero é proposital).


O primeiro, por se encontrar mais próximo às esferas de poder (inconscientemente deve achar que vale alguma coisa), entende que a lei, que vale para todos, não vale para ele. Ao que tudo indica, o fato de usufruir do poder é capaz de torná-lo imune às limitações para o qual o poder foi criado e a lei estabelecida. E antes de qualquer questionamento sobre a natureza da ligação posso afirmar que, pelo tom da conversa (estávamos lado a lado no farol), não se tratava de nenhuma emergência profissional.



O segundo, a ambulância, possui a prerrogativa de circular pelo trânsito com total prioridade, obrigando carros e demais veículos a lhe dar passagem. Coerente, claro, o trânsito da cidade não pode colocar em risco a vida de um de seus habitantes, que poderia sucumbir antes de receber atendimento adequado. Mas daí a parar em fila dupla, quando dois metros mais a frente há espaço para 15 ambulâncias, traduz apenas o sentimento de superioridade de quem detém o poder. É como dizer 'eu posso' e ponto final. De fato, pelo caráter da lei pode, mas daí a se ater aos princípios do velho e bom senso vai uma longa distância. O que parecia ser um caso de remoção (não pude ficar esperando pra ver) teria tido o mesmo desfecho ou a mesma dificuldade de acomodação se a tal da ambulância tivesse parado um pouco mais adiante. A diferença, nesse caso, é que não atrapalharia os outros 800 cidadãos que estavam passando pelo local.



Exemplos não faltam. Vão desde estes episódios insignificantes do dia a dia até a farra das passagens aéreas dos para-lamentares deste país. E, pasmem, não há nada de ilegal nisso. Os para-lamentares apenas usufruem de uma norma que lhes beneficia com passagens, que podem ser usadas da maneira que for. Podem significar o retorno ao seu curral eleitoral como podem significar a benesse de enviar correligionários ou familiares para Paris. Até deputados de Brasília, que teoricamente residem e trabalham na capital, tem direito às 'milhagens'. Ou seja, fazer parte dos círculos de poder e dele usufruir é muito fácil, principalmente quando quem banca essas regalias são otários travestidos de contribuintes. A lei, neste país, não vale para todos (link para 378 do congresso)



Por outro lado, tem o caso de uma colaboradora doméstica que trabalhou comigo e que está se aposentando aos 50 anos por problemas de coluna. Há exatos um ano e oito meses essa mulher roda hospitais e postos de saúde a procura de vaga para fisioterapia, para minimizar a dor, ou para cirurgia, que lhe devolveria uma condição mínima de saúde. Não há vagas, as consultas são marcadas para até 60 dias, quando chega o dia o médico não comparece. Esse é o triste outro lado da moeda, retrato da grande maioria da população que não tem acesso aos estratos do poder.


Pensemos duzentas vezes antes de escolhermos nossos líderes. Alguém já disse que para conhecer o verdadeiro caráter do homem basta lhe dar poder.


Crédito da foto: Michaelluef

12 comentários:

  1. Olá Andre,

    Tenho realmente a esperança de que nós brasileiros tomaremos vergonha na cara e assumiremos, um dia, as rédeas da nossa própria vida...

    Parabéns pelo texto!

    Luz e paz!

    Com apreço,
    Whesley

    ResponderExcluir
  2. Muito bem colocado, para dizer o mínimo. São inúmeros exemplos, ou melhor, inúmeros mal exemplos de poder descabido por aí. Em pouco tempo, você flagrou dois... E quando, além das posturas abusivas, presenciamos a soberba de quem, por uma razão inexistente, se acha? Duca...
    Precisamos nos encontrar novamente, né? Tenho um UFO me esperando e eu aqui engessado... Abraços!

    ResponderExcluir
  3. Esse UFO vai virar IFO (identified) de tanto tempo que ja ta rodando, haha! Engessado mesmo ou só forma de expressão?

    ResponderExcluir
  4. Boa Noite,

    Adorei tudo aqui, postagens, layout e temas.
    Obrigada por ir lá me visitar, estarei sempre por aqui...

    Abraços,

    Reggina Moon

    ResponderExcluir
  5. Eu que agradeço pela visita, Regina, seja sempre bem-vinda! Agora preciso dar um jeito pra ver se 'águas de março' sai da minha cabeça antes de dormir... rs

    ResponderExcluir
  6. O mais triste é saber que há homens que persigam tanto o poder...tanto e tanto e por toda a vida, e quando o conseguem, simplesmente olham para o poder, esquendo-se da influencia sobre o proximo, e se perguntam apenas? e era só isso?

    Muito grata pela visita lá no Canto...serás sempre muito bem vindo...

    Bj grande!

    ResponderExcluir
  7. Oiii, não acredito que o poder seja corruptor. Aquele que tem firmeza de caráter, honestidade etc, etc e tal não se deixa seduzir uma vez que traz consolidado o seu desenvolvimento moral. Me parece que determinados candidatos para o exercício de alguns cargos de "poder" já possuem tendências que apenas se evidenciam no exercicio da função escolhida. Acredito que seja o contrário do que você falou, pessoas pouco preparadas é que se colocam em lugares dos quais deveriam passar loonge. Me dê um retorno tá bom? Bjs

    ResponderExcluir
  8. Respeito sua opinião, Kyria, mas cansei de ver pessoas cuja firmeza de caráter simplesmente evaporou-se diante das regalias que o poder permite. É claro que poderíamos concluir que o caráter dessas pessoas já era viciado e que o fato de desfrutarem do poder revelou sua verdadeira face. Via de regra é o que ocorre: as pessoas são seduzidas pela prática e mudam de lado, posso dizer isso com conhecimento de causa. É muuuuito atrativo. Agora, por outro lado, pessoas de desenvolvimento moral consolidado, como você diz, que não se sujeitam exclusivamente a valores e conquistas materiais, estas sim passariam longe de tudo isso, não tenho dúvida. Mas, infelizmente, a essência humana é contrária e o que vemos é uma dança de cadeiras de dar vergonha. Ótimo estímulo este seu!

    ResponderExcluir
  9. E a única maneira que existe de tentar mudar é educando cidadãos para o mundo em todos os sentidos.Educar filhos para se tornarem adultos companheiros, solidários, gentis, sensíveis, responsáveis, dignos, respeitadores,trabalhadores e muito mais. Estes valores precisam ser exemplificados e não apenas recitados e eu espero muito por relações melhores entre todos nós.
    Tenho dois meninos e uma preocupação enorme com a minha postura e a deles perante a sociedade, a humanidade. Ai, como é difícil bem educar, tudo é subjetivo, é frágil e quase sempre nos deparamos com situações aonde o desamor, o desrespeito fala mais alto.Eu, me pego errando várias e várias vezes. Bjs

    ResponderExcluir
  10. Errar é parte do processo, o que vale é a intenção que voce coloca nele. Tenho duas filhas também e prepará-las para o mundo não é uma tarefa das mais fáceis, passa por todas as qualidades que voce citou. O problema é que lá fora, de modo geral, pais preparam seus filhos para a competitividade, o que leva a outra escala de valores. Sou muito cético em relação a isso, Kyria, pois não acredito, infelizmente, que o homem seja capaz de realinhar seus valores. Bjo!

    ResponderExcluir
  11. Não devemos desistir senão o movimento não se inicia, nossos filhos estão com o mundo nas mãos e de grão em grão quem sabe? Fomos criados para seguir rumo a perfeição e é claro que a gente consegue. Não tão rápido afinal são séculos de desajustes por isso precisamos começar aos pouquinhos. Desiste não, se a maioria está competitiva podemos ser também pois esta característica não exclui o valor humano de cada um de nós,
    não exclui a brandura com firmeza, não exclui realmente nadinha.
    Tá bom, tô delirando?Tchau

    ResponderExcluir
  12. Não, não está delirando. Podemos trabalhar nas duas pontas, sem dúvida, porque temos que preparar nossos filhos seguindo nossos princípios, mas também de olho no que eles encontrarão lá fora. Esse é um dos objetivos de 'O último mensageiro': reavaliar a maneira como o ser humano estabelece suas prioridades e pensar em modelos alternativos.

    ResponderExcluir