

A humanidade dá mostras que soube aproveitar, através dos séculos, o precioso tempo que a providência divina reservou-lhe neste planeta. De lúgubres cavernas, migramos para moradias estruturadas com conforto e higiene; fazemos em minutos viagens que nossos antepassados, no lombo de mulas, levavam semanas; e se a batalha de Maratona entre gregos e persas fosse hoje, Fidípedes, o famoso guerreiro que percorreu os 42km que separavam o campo de batalha da cidade de Atenas, teria enviado uma mensagem no twitter dizendo: "Alegrai-vos, atenienses, nós vencemos!" - e isso apenas para constar, já que os gregos teriam acompanhado o embate em um telão instalado no Partenon sob o patrocínio de alguma marca de cerveja, cigarro ou do Mac Donald´s ('Um big macrópolis com fritas e diet coke sem gelo, please')Certas práticas, como podemos constatar, mudaram. Outras não. Da mesma forma que fomos capazes de voar, fazendo jus ao sonho de Ícaro, também fomos capazes de manter os mais absurdos preconceitos, enraizados nas "profundas" concepções que nós, humanos, criamos para nossa própria diferenciação. Se a cor da pele, naturalmente, fala por si mesma, fomos além e instituímos as práticas religiosas, as preferências sexuais, tendências políticas, futebolísticas, nacionalistas e tantas outras que, sob a ótica humana (em sua grande maioria), são unilaterais. Não ser capaz de aceitar a opinião alheia ou seus valores é como dizer que aquele que não é por mim contra mim está.
Vivi a experiência esta semana, quando um pai deixou de ir ao casamento do próprio filho, um menino de ouro, porque a noiva não compartilhava da mesma concepção religiosa. Já passei por diversas rupturas na minha vida entre casamentos, separações e nascimento de filhos, abrindo e encerrando ciclos que formataram minha história em cada um destes registros, e me lembro como foi importante compartilhar, com amigos e família, o momento de casar e assumir uma nova vida. Não há - ou pelo menos não deveria haver - motivação religiosa ou de qualquer outra natureza capaz de se interpor entre laços de sangue. E é aí que me questiono até que ponto chega a insensatez humana para justificar suas convicções e abrir mão de significativos pressupostos, jogando pela janela 30 anos de convivência. Não há feridas que o tempo não cure, diz o ditado. Mas as cicatrizes são para sempre.
É preciso dar ao homem mais sustentação, não apenas para que fixe suas bases, mas para que inclua valores, princípios e ideais diferentes dos seus. Quando a semente da intolerância e da discórdia for finalmente superada, aí sim talvez tenhamos condições de construir uma sociedade mais correta, que respeite escolhas e individualidades. E enquanto isso não acontece, continuaremos criando nossos próprios abismos.
Crédito da foto: Phinaphantasy