
A ambição da coroa portuguesa em estabelecer rotas de comércio com o Oriente e garantir o suprimento de especiarias à corte acabou por trazer, por simples obra do acaso, Cabral e sua desajeitada frota a terras tupiniquins. A saga dos aventureiros lusos todos conhecemos, exaltada em tonalidades heróicas nos livros de história ou nas imagens fantasiosas que se solidificaram em nosso subconsciente - quem é que não fica com aquele quadro da primeira missa rezada no Brasil na cabeça? Até índio devoto de Santo Antonio tinha!
A prática exploratória, traço característico da política colonialista, logo deu as caras em terras Brazilis com a extração do pau brasil e quase levou a espécie à extinção (ainda hoje o pb encontra-se na lista de espécies ameaçadas do Ibama. Interessante notar que não apenas a madeira em si era objeto de cobiça, mas a resina obtida no processo de extração caia com perfeição à indústria têxtil da época no tingimento de tecidos). E acho que foi a partir daí que se iniciou o jogo de interesses espúrios que se perpetua até os dias de hoje.
O pau brasil e a população indígena nativa, envolvida por 'livre e espontânea vontade' no processo extrativo (provavelmente em troca de que um super hiper mega ultra desejo de ser catequisada fosse atendido), foram substituídos pelo sistema monetário moderno e por nós, seres 'evoluídos e questionadores'. Piada. Na verdade, somos os mesmos otários que, se na época do descobrimento se satisfaziam com espelhos e miçangas, hoje conformam-se com a atuação vampiresca de uma minoria (tão nobre e altruísta quanto nossos antepassados navegadores) que não se cansa de inventar artifícios para fazer valer seus supostos privilégios. Pode o povo morrer de fome, mas foda-se, há outras prioridades para o dinheiro público. Ou não é para isso que serve a verba indenizatória?
A famigerada 'verba indenizatória' foi criada pelo então presidente da câmara Aécio Neves (quando se trata de poder, meus amigos, não tem PT, PC, PN, PJ ou PZ, à noite todos os gatos são pardos) em 2001,em um ato pernicioso que aumentou indiretamente o salário de deputados e senadores através de, digamos, uma forcinha extra que nem dava muito na cara. Bastava aos nobres deputados e senadores apresentar notas fiscais de suas despesas extras e tava tudo resolvido (só em 2004, quase R$ 1,5 milhão foi gasto em combustíveis e as notas dos 'supostos de gasolina' mantidas em sigilo). Não daria na cara, protestariam os mais cautos, se os filhos da puta que habitam essa vergonha que é o congresso não utilizassem a verba em suas próprias empresas (foi assim que começou a saga do Edmar safado Pereira, dono do castelo em Minas Gerais, usando a verba para pagar funcionários de sua própria empresa de segurança que nunca viram a cor do dinheiro. E o que aconteceu a esse nobre deputado? Nada, tá lá, rindo da nossa cara) ou pior, em empresas que nem existem, como noticiou a Folha esta semana (há que se louvar, e muito, o trabalho do jornalista Fernando Rodrigues). Ou seja, nego inventa uma despesa de uma empresa fantasma, que simplesmente NÃO EXISTE, e enfia a grana no bolso. E os indíos aqui, o que fazem? Observam a passagem dos navios portugueses carregados com o seu precioso pau brasil. E se bobear sorriem, embasbacados com os espelhinhos que ainda ostentam nas mãos. Não dá mais pra engolir.
Celso Pitta, um dos maiores ladrões de dinheiro público que esse país já teve, morreu outro dia (como disse meu pai, tamanha ironia: Pitta, o ex-prefeito negro, morreu no dia da consciência negra, o que obriga Maluf a morrer em um 1 de abril e Lula e em 1 de maio), e quisera eu que a prática exploratória, iniciada há mais de 500 anos, tivesse morrido com ele. O ex da Nicéia foi-se no ostracismo porque, depois de levantadas e comprovadas todas as denúncias contra sua pessoa, tentou, em vão e por duas vezes, se candidatar a deputado. Se fudeu, votação pífia. Quebrou a cara, foi preso de pijamas na operação Satiagraha e pagou com a própria vida. Ao menos serviu de exemplo.
Façamos pois do voto nossa arma, conscientizemos os da nossa tribo que ainda olham deslumbrados para os espelhos em suas mãos e quebremos, de uma vez por todas, o encanto, nem que seja necessário partí-los ao meio (os espelhos, lógico) e correr o risco de 7 anos de azar. Até porque, do jeito que está, corremos outro risco, o de seguir 7, 14, 21 e tantos outros anos olhandos as naus portuguesas se perderem felizes no horizonte...