10 de dezembro de 2009

Sucessão de erros




É da natureza humana a dificuldade em lidar com a morte. Quando ela atinge crianças, então, o assunto ganha contornos que escapam à compreensão e questionam os desígnios divinos em busca de explicações, ainda que sem sentido, que justifiquem a ceifa. Migramos da letargia ao ceticismo, cobertos de dúvidas quanto à própria existência. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Por que tão cedo? Mergulhamos em questões embriagados pelo drama da vida, rompendo de vez a barreira que nos transporta ao irracional. É o sentimento de revolta que assume o comando porque sabe que, não fosse pelo casuísmo que toma conta deste país, tragédias como a desta semana poderiam ser evitadas.


Na última terça-feira, depois das fortes chuvas que abalaram a cidade de São Paulo, seis mortes foram registradas. Quatro irmãos, entre eles três crianças (duas de 7 e uma de 9 anos), morreram sob a terra que engoliu o barraco em que dormiam. Para quem ainda carrega um pouco de sensibilidade, a reação é de tristeza e de consternação, pensando nos pais que terão a árdua tarefa de enterrar quatro filhos. Dois ou três dias depois esqueceremos o fardo que este casal carregará para o resto da vida, se ainda tiver disposição para olhar de frente para ela. O que vejo, em meio a tragédia, é uma sucessão de erros que deixa qualquer cidadão indignado.

Essa família não morava em uma zona de risco de deslizamento por espontânea vontade. Morava, com conhecimento de causa ou não, porque não há qualquer movimento do estado no sentido de impedir que estas áreas sejam habitadas. E por que? Porque o estado vai tirá-los de lá e levá-los para onde? Se interferir na questão terá também a responsabilidade de solucioná-la, o que não se encontra em condições de fazer (vale lembrar que boa parte das mazelas sociais e econômicas são foco da iniciativa privada, que através de ONGs e obras assistenciais desempenham o papel que caberia ao estado). O poder econômico é cruel e não cabe a mim questioná-lo, diferenças sempre haverão de criar desequilíbrios dentro de uma sociedade, uns com mais, outros com menos. É natural que seja assim e que cada um batalhe por seu espaço, lutando com dignidade para alcançar outro patamar. O estado, neste contexto, tem a responsabilidade de regular diferenças e criar condições para que as classes menos favorecidas progridam através de políticas de desenvolvimento, a maioria delas (se não todas) bancadas pelos otários como nós que pagam seus impostos em dia. Os erros começam na arrecadação e terminam em tragédia.

Conheço empresas que propositadamente não recolhem ICMs e, quando vão à juízo, já tem todo o esquema comprado para deixar menos dinheiro nas mãos de juízes, fiscais e advogados do que se tivessem que recolhê-lo aos cofres públicos. Dos males o menor, dizem, ainda que sob risco de serem flagrados, o que em mais de dez anos de esquema nunca aconteceu. Para onde vai o dinheiro? Para o bolso dos corruptos. E camelô, recolhe imposto? Claro que não, mas paga uma grana para manter polícia e fiscalização o mais longe possível de seus domínios. Para onde vai o dinheiro? Para o bolso dos corruptos. Brasília e o escândalo do mensalinho: só veio à tona porque um dos gatunos foi precavido e não quis pagar o pato sozinho. Ou vamos ser ingênuos a ponto de não acreditar que a mesma coisa rola em SP, BH, RJ, RS e pelo país afora? Mas é óbvio! Ninguém tá nem aí com o que vai acontecer com o Zé Povinho que mora em áreas de deslizamento, se é a mãe, o pai, o filho ou o espírito santo que vai dessa pra melhor. Mas sequestre o filho de um deputado pra ver o que acontece, é capaz de até a Interpol estar no seu encalço.

É preciso coragem para mudar. Enquanto as raposas tiverem a chave do galinheiro, a dignidade passará longe da farra e a cidade, infelizmente, seguirá enterrando suas crianças. Que futuro pode se esperar de uma sociedade que não sabe preservar seus próprios filhos?


17 comentários:

  1. Isso é a politica brasileira, uma vergonha mundial.

    Bom fim de semana.

    beijooo.

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  2. Os políticos são o reflexo da nossa própria sociedade, Ana. Qualquer cidadão do bem que amanhã esteja lá, entre eles, logo se tornará um deles. Basta o acesso, a história já conhecemos bem. Bom fim de semana!

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  3. Cada vez que chove forte já esperamos tragédias, isso acontece a anos e os políticos entram,saem e nada é feito porquê não são os filhos deles que estão nos morros.Se eles não estivessem centrados tão em seus umbigos corruptos, alguma coisa já teria sido feita quanto a moradia e tantas coisas simples e possíveis para o povo, Enquanto isso suas meias e cuecas são abrigo de R$ 50 mil que vergonhosamente dizem para comprar "panetones",daria ao menos para 2 casinhas simples. Para onde vai essa mãe que perdeu os filhos e tantas outras, sem casa e a dor da perda. Nem ajuda psicológica dão, que dirá uma casa.É isso amigo, revoltante! Um país gigante aonde td que se planta dá, chora em enchentes o descaso,a falta de humanidade. Uma vergonha! bjão

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  4. Minha teoria é muito simples, Elaine: instalemos uma guilhotina junto ao congresso e quero ver se esse negócio não começa a diminuir. Duas ou tres cabeças por dia seriam suficientes!!! ;)

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  5. Esse é nosso País!
    E não fazem nada por nossas crianças, que seria o futuro de nosso País.
    E o pior é que nas próximas eleições caimos no mesmo erro. Está difícil de aparecer um sangue bom - honesto, que de fato administre ess País com sabedoria e humidade e HONESTIDADE.

    Beijos

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  6. É por essas e outras, flor, que as vezes me passa pela cabeça a loucura de me candidatar.

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  7. É. Moro numa cidade onde tragédias fazem parte do pacote-verão.
    Há 22 anos, estiveram aqui técnicos de solo, japoneses que concluíram que a solução seria o plantio do bambu para segurar encostas.
    Alguém plantou?
    Nem governos nem associações de moradores, ninguém.
    Terra de ninguém* onde ninguém se salva.
    * os que moram mal.

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  8. A responsabilidade é sempre transferida, b. Quando o mal atinge quem pode, aí sim alguém se mexe pra fazer alguma coisa...

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  9. Chocante André, deprimente a situação destas famílias. Só nos resta dar uma pequena ajuda àqueles que estão mais próximos de nós ( Ex: nossos funcionários). Abs

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  10. Pior é saber que ja apresentaram tantos projetos viáveis na camara, mas ninguem quer literalmente botar o pé na lama.

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  11. Olá André, obrigada pelas palavras de força e é sempre muito legal receber suas visitas lá no "mundo pequeno",
    ...olha,não consigo pensar que a culpa disso tudo é só de políticos e de um sistema social que a gente já sabe que está falido á muito tempo! Penso que a culpa começa por mim que tenho poder de voto. Também penso muito na responsabilidade que os pais deveriam ter com seus filhos quando muitas vezes o pessoal da DEFESA CIVIL tem que brigar com esses caras prá eles saírem das casas antes que elas desabem( e eles não saem)- digo porque já presenciei isso!(a defesa civil é um orgão sério e trabalha muito!!)
    Sinceramente,me sinto meio impotente e ando um pouco cansada de reclamar da corrupção que é fato- eu só sei que não sei o que vou fazer com o meu voto-
    ..se eu tivesse mesmo em um pais democrático, eu não iria votar e gostaria que o meu voto não fosse computado para ninguem(isso sim é um absurdo)um absurdo a gente concordar com isso a cada eleição!

    - O NOSSO PAÍS PRECISA DE UMA REVOLUÇÃO DE ALMA,MAS UMA REVOLUÇÃO TAMBÉM TEM SUAS CONSEQUÊNCIAS...assim foi com todos os países que revolucionaram os seus sistemas!Á respeito de revolução ,não tem jeito SE QUEREMOS IR PARA O CÉU? ENTÃO TEMOS QUE MORRER!
    abraço
    Silvia

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  12. Ola, André!

    Alguns minutos de meu silêncio a esta cruel realidade.
    .............................................
    A mãe natureza começa a responder aos seus filhos (bastardos, arrogantes, pródigos) que preserva-la é preservar-se.
    Infelizmente, os menos favorecidos sentem mais, mas as consequências são para todos.

    Grande beijo
    Paty

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  13. Cris, Paty, Silvia, Kyria... Não dá mais pra fazermos a nossa parte, é preciso fazer o todo!

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  14. O Brasil, com toda pujança e investimentos que vem tendo, tem a chance de solucionar muito de seus problemas. Mas nossos governantes parecem não estar preocupados com as coisas mais básicas, que não dão dinheiro nem votos. Pelo visto, tem que continuar rezando para São Pedro dar uma trégua!
    Saudações corinthianas!

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  15. Pois é, Marcinho, falta hombridade, falta vergonha na cara... Abs!

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  16. Um momento doce e cheio de significado para as nossas vidas.
    É tempo de repensar valores, de ponderar sobre a vida e tudo que a cerca.
    É momento de deixar nascer essa criança pura, inocente e cheia de esperança que mora dentro de nossos corações.
    É sempre tempo de contemplar aquele menino pobre, que nasceu numa manjedoura, para nos fazer entender que o ser humano vale por aquilo que é e faz, e nunca por aquilo que possui.

    Noite cristã, onde a alegria invade nossos corações trazendo a paz e a harmonia.

    O Natal é um dia festivo e espero que o seu olhar possa estar voltado para uma festa maior, a festa do nascimento de Cristo dentro de seu coração.
    Que neste Natal você e sua família sintam mais forte ainda o significado da palavra amor, que traga raios de luz que iluminem o seu caminho e transformem o seu coração a cada dia, fazendo que você viva sempre com muita felicidade.

    Também é tempo de refazer planos, reconsiderar os equívocos e retomar o caminho para uma vida cada vez mais feliz.
    Teremos outras 365 novas oportunidades de dizer à vida, que de fato queremos ser plenamente felizes.

    Que queremos viver cada dia, cada hora e cada minuto em sua plenitude, como se fosse o último.
    Que queremos renovação e buscaremos os grandes milagres da vida a cada instante.
    Todo Ano Novo é hora de renascer, de florescer, de viver de novo.
    Aproveite este ano que está chegando para realizar todos os seus sonhos!

    FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO.

    beijooo.

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  17. Oi, Ana, um feliz Natal e um otimo 2010 pra vc tambem, lindo texto!

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