18 de julho de 2009

Um mundo de máscaras

Durante 8 anos o psicólogo social Fernando Braga da Costa, no intuito de concluir sua tese de mestrado, trabalhou como gari varrendo as ruas da USP. Segundo ele próprio, que diz ter vivido como um ser invisível no período,'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência'. Professores e colegas que o conheciam dos corredores da USP simplesmente o ignoravam, não pelo fato de ter assumido um papel menos considerável dentro da estrutura funcional da sociedade, mas porque ele havia deixado de existir. Aos olhos daqueles, é como se o trabalhador fosse mera peça motriz, alguém que exerce função tão básica que não merece a mesma consideração (como se isso pudesse variar de ser humano para ser humano de acordo com sua instrução, cultura e posição). ''Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste ou em um orelhão'.




Tamanho preconceito. Me lembro certa vez de ter ido visitar minha cunhada em seu escritório e um dos porteiros era um antigo funcionário do prédio onde eu tinha escritório (ambos condomínios eram administrados pela mesma empresa). Cumprimentei-o e na entrada e me lembro que ao sair, já na hora do almoço e em meio à multidão que deixava o prédio, estendi-lhe a mão e lhe desejei boa sorte. Para meu espanto, ouvi uma voz feminina que em tom suave fez o seguinte comentário: "Você viu que coisa mais ridícula? Um cara de terno dando a mão para o porteiro". Aquilo me pegou de tal forma (imagino que ela tenha pensado que passaria desapercebido no meio daquela gente toda) que no mesmo instante fui atrás e perguntei qual era o problema. A mulher (a princípio achei que se tratava de alguém mais velho, cheio de recalques e tal, mas devia ter seus 30 e poucos anos) simplesmente me ignorou, como se não tivesse sido ela a emitir o infeliz comentário. Senti que ela se incomodou com minha reação, mas alguém com este tipo de comportamento não precisa mais do que 30 segundos para se recompor e voltar a habitar seu mundinho...


A verdade é que experiências como estas reforçam os abismos sociais que criamos e fomentamos, sempre de olho no papel representativo que cada um desempenha. Se o cara é um deputado ou jogador de futebol, tapete vermelho nele. Mas se é gari ou porteiro... Vamos criando nossos guetos e neles nos fechando, não apenas para permanecer alheios à miséria que nos cerca, mas para não deixar que ela invada nosso dia a dia e não o polua visualmente.


Respeitar e interagir ainda é um exercício de difícil prática para a raça. Finalizo com as palavras de Abel para seu companheiro de viagem:
"Compartilhar o que temos de melhor, sem questionar o quanto isso nos afeta como indivíduos, é o caminho que abre as portas para o amor fraternal e solidário. É exatamente disto que este planeta precisa"!


Foto: Aplomb

6 comentários:

  1. ... e assim caminha a humanidade...
    Belo texto. Obrigada por escrever sobre a conduta da "sociedade".

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  2. Madalena, que prazer tê-la por aqui, obrigado pela visita!

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  3. Meu Bom André,em missão tua,de própria maneira terna e sentida,propagas as sociais injustiça,e o homem ausente das básicas da sociedade coisas,o pão e a moradia por exemplo!
    Te Abraço Pessoa!

    Viva Vida!

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  4. Bato palmas para esta postagem.
    E quantos de nós também não somos invisíveis para o chefe, o patrão, o filho, o pai, a mulher.
    Este comportamento nada solidário se estende pela vida afora quando o "ignorado" não é útil naquele instante para aquela pessoa.
    Certa época assisti uma repostagem sobre a vida dos garis e passei a observar que a uma boa parte das pessoas só notam o seu trabalho ( e não a sua falta) quando o serviço não é feito.
    Abraços

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  5. Obrigado, Ricardo, tu és mais que bem vindo!

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  6. é mesmo uma vergonha, Kyria, nenhuma relação de respeito pode se basear em valores outros que não a própria essência humana, Abs!

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